segunda-feira, 15 de junho de 2009

CARROS: UMA AGENDA SEM FUTURO



A grave crise pela qual estão passando as indústrias automobilísticas, principalmente as norte-americanas, não é apenas decorrente do colapso econômico global, mas uma crônica de morte anunciada. De nada adiantarão as injeções de recursos públicos para salvá-las. As fusões, incorporações e aquisições somente darão um pequeno fôlego para esta indústria sem futuro. O problema começou, verdadeiramente, com Henry Ford em sua firme disposição de criar condições para que toda família de trabalhadores pudesse ter o seu Ford T. Nada contra o idealismo do lendário capitão da indústria, cujas idéias estavam ligadas ao processo de expansão constante do capitalismo, pois ninguém ousava pensar, naquela época, que o automóvel se tornaria em um bem acessível a milhões e milhões de pessoas em todo o mundo. Tampouco alguém ousaria imaginar ou denunciar o impacto ambiental e social desta máquina. De qualquer forma ninguém daria ouvidos a tão descabida preocupação na época.
Os governos, de todos os países do mundo, dirigiram investimentos públicos para facilitar o tráfego dos veículos motorizados, como grandes e largas avenidas, viadutos, pontes, garagens etc. Em função desta opção, os investimentos em transportes públicos, salvo honrosas exceções, foram colocados em segundo plano. As cidades foram adaptadas ao automóvel e não ao Homem. Em países como o Brasil, as ferrovias foram abandonadas, o transporte fluvial ou de cabotagem não chegou sequer ser cogitado pelos governantes, mais preocupados com o imediatismo e nunca com o longo prazo.
As cidades se agigantaram, de Metrópoles se tornaram Megalópoles, com a concentração urbana exigindo mais e mais investimentos públicos em saneamento básico, educação, saúde, infraestrutura e transporte. O custo de transportes coletivos como o Metro, única saída para contornar os congestionamentos nas ruas e avenidas, é extremamente alto, tornando praticamente impossível o atendimento da demanda crescente por esse meio de locomoção. Precisaríamos de três ou quatro vezes mais linhas do que temos hoje. A ampliação dos limites da cidade de São Paulo, que se conectou as cidades vizinhas, tornou simplesmente imperceptível os limites geográficos. Trabalhadores do ABCD se deslocam diariamente em direção à capital e vice-versa. O mesmo ocorre com outras cidades vizinhas a oeste, leste e norte, tornando a idéia de municípios, com administrações separadas, uma utopia. Dessa forma, a região metropolitana de São Paulo já necessita de linhas de Metro para todas as cidades vizinhas.
Os ônibus se tornaram inviáveis como alternativa de transporte, pois o aumento da frota esbarra no mesmo obstáculo: onde circular? Ruas preferenciais exigem altos investimentos e também uma severa fiscalização, o que aumentaria seus custos de manutenção. Assim nos encontramos no velho dilema: aumentar as ruas ou diminuir o tamanho dos veículos? Recentemente foi publicada uma estatística em que se todos os veículos da cidade de São Paulo fossem para as ruas e ficassem alinhados, não haveria espaço para circulação. Por sorte, muitos veículos permanecem em suas garagens boa parte do dia. Entretanto, outro dado bastante alarmante é o número de carros novos licenciados na cidade: cerca de 20 mil por dia.
Estamos caminhando para o caos e parece que ninguém está preocupado com o futuro. O futuro? Ora o futuro é para as próximas gerações, dirão os políticos, mais focados no sucesso imediato de sua gestão. Não há compromisso político com o futuro, pois o período de quatro anos mal dá, para políticos convencionais, angariar patrimônios eleitorais que garantam as próximas eleições. E como ninguém quer se preocupar com o futuro, vai se deixando as coisas como estão e enfiando a cabeça na terra como faz a avestruz.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

EXTRATERRESTRES



Revendo quase por acidente o filme ET em que um extraterrestre é apresentando como um pequeno monstrinho sensível e delicado, observa-se um grande contraste com as declarações de pessoas que se dizem abduzidas pelos seres de outros planetas. Umas duas mulheres que relataram os seus “casos” com alienígenas, revelaram que eram altos, loiros e com olhos azuis. Essas pessoas juram por todos os deuses que tiveram filhos destas relações e não ficam constrangidas em mostrá-los na televisão. A entrevistadora faz expressão séria ao formular as perguntas sobre como ocorreram as abduções. A cena me fez lembrar do livro de Carl Sagan, O mundo assombrado pelos demônios em que o autor procura desmascarar, através de explicações fundamentadas na ciência, esses depoimentos sobre encontros com extraterrestres. Sagan não usou meias palavras para criticar esse modismo contemporâneo. Lembra o físico e astrônomo que não há registro histórico de contatos com seres extraterrenos nos séculos anteriores aos livros de ficção de Julio Verne ou antes da famosa locução do ator norte-americano Orson Welles sobre a invasão da terra utilizando um texto de H.G. Wells. Até então só temos registros de aparecimentos de personagens religiosas.
Nos anos setenta do século passado foi publicado um livro chamado Eram Deuses os Astronautas de Von Danicken, tentando provar que algumas obras arquitetônicas foram obras de seres alienígenas que visitaram a terra em tempos idos. O livro foi convincente e eu mesmo embarquei na história, pois acreditava na possibilidade concreta de que a terra não poderia ser o único planeta habitável do universo. Considerando a existência de trilhões de estrelas no centro de possíveis sistemas solares, nada seria mais lógico e racional do que aceitar a possibilidade de haver vida em outras partes do universo. Sagan, que era um profundo conhecedor de astronomia – dentro das tecnologias disponíveis pelo atual estágio da ciência, não descartava esta possibilidade, mas coloca também a hipótese de que a terra seja também pode ser o único exemplo de vida em todo o universo. Caso haja mesmo vida inteligente fora da terra, as dificuldades para contato serão as mesmas que encontramos atualmente. Como o universo tem a mesma idade e o processo evolutivo teria ocorrido paralelamente em todos os sistemas solares, estaremos no mesmo estágio de outras “Terras” em termos de desenvolvimento tecnológico. Considerando também as distâncias existentes, mesmo dentro de um mesmo sistema solar, as probabilidades de contato ou de viagens interplanetárias seriam, no mínimo, bastante complicadas. Eventuais viagens no futuro talvez somente sejam possíveis através de fetos congelados.
Por outro lado, parece um tanto óbvio que viajantes alienígenas não se dariam ao trabalho de ficar bisbilhotando a terra sem a preocupação de fazer algum contato inteligente para eventuais intercâmbios tecnológicos ou culturais. Alguns estudiosos de OVNIS afirmam categoricamente que a força aérea americana e a NASA escondem tais fatos da população para evitar turbulências. Ora essa! Será que com tanta gente informada sobre o assunto (pilotos, militares, políticos, técnicos etc.) ninguém sairia dando entrevista na mídia falada e escrita? Impossível.
Sagan, muito educadamente considera essas pessoas sinceras, mas paranóicas. Para ele, mesmo com um detector de mentiras não seria possível desmascarar essas pessoas, pois elas acreditam fielmente no que falam e defendem. Pessoas que vivem falando que ouvem vozes ou mantêm contatos com pessoas falecidas ou de outro mundo, são consideradas dementes e eventualmente vão para sanatórios. Entretanto, se são bem articuladas, entram para o seleto clube dos ovnianos e conseguem até a proeza de dar entrevista na televisão e em jornais. A história do matemático John Nash, prêmio Nobel de Economia que sofre de esquizofrenia e viu durante anos pessoas inexistentes com quem conversava, é um exemplo de como a mente humana é capaz de burlar a racionalidade.Sem mais delongas, devo dizer que se eventualmente existir vida inteligente fora da terra, provavelmente os ETs deverão parecer muito estranhos para nós, pois a vida teria se desenvolvido de forma bastante inusitada em outro planeta, mesmo em condições semelhantes às da Terra. Mas o mais intrigante mesmo é a pergunta que Ray Kurzweil faz em seu livro: A era das máquinas espirituais: Será que a vida inteligente é relevante no universo?

quarta-feira, 18 de março de 2009

OS NÚMEROS NÃO MENTEM





Os números dizem muito e para isto basta ter um pouco de paciência para ler as suas mensagens, fazendo alguns cálculos de aritmética básica para chegar à informações bastante intrigantes. Através do Relatório Desenvolvimento Mundial de 1993, editado pela ONU, pode-se verificar algumas projeções sobre o crescimento da população mundial até o ano 2030 que desperta algumas curiosidades para não dizer perplexidades. Vejamos alguns dados. As economias de rendas baixas e média, apresentavam em 1991, uma população total de 4,528 bilhões de habitantes, enquanto as economias de alta renda, 822 milhões de habitantes. As projeções para o ano 2000, que parecem bastante consistentes pelos números disponíveis na imprensa, indicam que as economias de rendas baixas e média, acrescentaram às suas populações no período de nove anos, algo astronômico como 766 milhões de novos seres humanos. Descendo a detalhes, verifica-se que somente nas economias de baixa renda, foram acrescidos 559 milhões de habitantes no período. Por outro lado, as economias de alta renda, tiveram um crescimento de apenas 6 milhões de habitantes num período de nove anos.

Sem querer fazer terrorismo malthusiano, os dados relativos ao PNB per capita, também neste mesmo relatório, indicam que as economias de renda média apresentaram em 1991, um PNB per capita de 2480 dólares anuais, enquanto as de baixa renda de 350 dólares anuais. Por seu turno, as economias de alta renda, chegaram a um PNB per capita de 21020 dólares anuais neste mesmo ano. Enquanto isso, as economias de baixa renda devem apresentar um crescimento demográfico médio anual da ordem de 2% até o ano 2000 e as economias de alta renda devem manter uma taxa média de 0,6%. Pelos dados é simples verificar que os países de renda baixa precisariam que o PNB per capita crescesse pelo menos trinta vezes em um período de dez anos para alcançar um PNB per capita equivalente a metade das economias de alta renda. Ainda assim, teria um outro detalhe: a taxa de natalidade teria que estar próxima de zero. Assim, com um crescimento anual do PNB entre 2 e 3%, e com um crescimento da população de 2%, é como a história do cão correndo atrás do rabo, ou seja, nunca chegaremos em tal patamar, pelo menos com a atual estrutura econômica.

Mantendo o atual nível de crescimento das populações dos países de baixa e média rendas, anualmente, mais de 100 milhões de novos seres humanos são acrescidos aos padrões subumanos de existência sem a perspectiva de crescimento econômico compatível. Como estas populações vivendo em condições precárias de saúde e educação fica cada vez mais difícil pensar na reversão deste quadro, ou seja, redução da taxa de natalidade e crescimento econômico sustentado. Enquanto os países de alta renda necessitam aportar relativamente poucos recursos em saúde e educação, pois contam com infra-estrutura adequada, os países de baixa e média rendas, necessitam de cada vez mais recursos para o atendimento das novas demandas decorrentes do crescimento da população.

MUNDIALIZAÇÃO: O CAPITAL FINANCEIRO NO COMANDO

MUNDIALIZAÇÃO: O CAPITAL FINANCEIRO NO COMANDO
FRANÇOIS CHESNAY

O sociólogo Chesnay parte da crítica aos conceitos utilizados para definir a nova globalização da economia, optando pela expressão mundialização da economia, que a seu ver, expressa de forma mais explicita o sistema capitalista de produção. Para ele a expressão mercado é utilizada como metáfora do sistema capitalista, fundamentado na propriedade privada dos meios de produção.
O fetichismo do capital financeiro transforma o dinheiro em algo que não tem relação com o processo produtivo, parecendo externo a ele, algo independente. O dinheiro adquire um sentido fantasmagórico, desvinculado da realidade concreta da sociedade capitalista. O autor desmistifica também o papel do Estado Nacional no processo de mundialização das economias, que longe de ser vítima, é um agente ativo, mostrando historicamente sua ação efetiva nas mudanças que abriram caminho ao capitalismo globalizado. A derrocada do mundo socialista foi, segundo o autor, precedida de providenciais mudanças construídas pela burocracia soviética, abrindo espaço para o triunfo do neoliberalismo.
A globalização na busca da rentabilidade máxima mostra o caráter seletivo do capital ampliando o nível de desigualdade entre nações e povos. É, nas palavras do autor, uma homogeneização que gera heterogeneidade (ou uma igualdade que gera desigualdades). Tal como a sociedade dividida em classes, a mundialização cria também uma hierarquização entre os países no sistema de relações produtivas através da divisão internacional do trabalho.
Chesnay procura enfatizar o caráter sistêmico do processo de mundialização do capitalismo como a “totalidade sistêmica”, conjunto ordenado em torno da tríade (os três grandes centros do capitalismo mundial: EUA, Europa e Japão) Neste contexto, os Estados Nacionais sobrevivem, estreitando suas relações com o capitalismo mundializado. Assim, as possibilidades de expansão só se tornaram possíveis a partir das ações políticas desenvolvidas pelos Estados Nacionais. As possibilidades do modelo estão ancoradas numa ampla base internacional que possibilita a “jogatina” financeira, manejando os capitais de acordo com a rentabilidade oferecida num universo com fronteiras bastante permeáveis para sua ação. As finanças comandam o nível e o ritmo de acumulação do capitalismo, determinando onde e quando ampliar a capacidade produtiva, enfraquecendo assim, a possibilidade de resistência dos assalariados.
Os países em desenvolvimento ou economias periféricas ficam na dependência da avidez do capital financeiro por altas e contínuas taxas de acumulação (juros sobre juros). Esses capitais revoam o globo à procura de novas vantagens competitivas como reservas de matérias-primas e recursos naturais, dimensão do mercado interno desses países e mão-de-obra qualificada, barata e com relações de trabalho com pouca regulamentação (poucos impostos e quase nenhum controle).
As crises financeiras longe do diagnóstico clássico, são a rigor, resultantes da impossibilidade de se assegurar acumulação suficiente para atender ao voraz apetite do capital mundializado. Assim, o capital bate em retirada, realizando lucros diante o menor ruído de ameaça, jogando esses países periféricos em profundas crises econômicas e financeiras.
A abordagem de Chesnay invoca em vários momentos o caráter sistêmico da mundialização do capital, sugerindo que a crise que assola os países periféricos e em menor grau os países do chamado primeiro mundo, não é individual ou localizada, mas está inserida numa esfera mais ampla e, portanto, sem solução no contexto das receitas monetaristas clássicas. A crise vai depender, portanto, da capacidade de realimentação do sistema para a manutenção do equilíbrio dinâmico.




O MAGNIFICO ESPETÁCULO



Renato Ladeia, abril 1999

Bernard Cassen, especialista em economia do Le Monde, na Universidade de São Paulo em 1999 foi demolidora. Olhava-se para os lados para procurar saber se realmente estava se falando do nosso mundo maravilhoso e “globalizado”. Eram apenas dados que um jornalista meticuloso e bem informado conseguira reunir e que com certeza estão diariamente nos jornais de todo o mundo, mas poucos têm tempo ou paciência para relacioná-los e concluir verdades que a maioria não quer ouvir, ler ou falar.
Os números são astronômicos, pois se referem a um volume de capital circulante pelo mundo em torno de 21 trilhões de dólares. Só o Japão tem 14% deste bolo monstruoso e aterrorizador. Qualquer mudança no deslocamento de pequena parte deste valor, cuja grandeza é quase impossível ter-se uma idéia clara, pode provocar mudanças drásticas nas economias dos países, principalmente países do terceiro mundo. Os operadores e investidores são atraídos através do efeito rebanho. Ninguém quer sair na frente, mas quando alguém resolve ir, todos vão atrás cegamente. Um operador de sucesso é sempre seguido e ninguém quer ficar sozinho. “Errar junto é melhor do que acertar sozinho”.
Os capitais agem, circulam, decidem independentemente dos países onde estão localizados, não há racionalidade, ética ou valores. O que importa na essência é o retorno líquido do investimento. A especulação sobre as moedas é algo dramático, podendo quebrar um país de um momento para outro. Repito: de um momento para outro. Quase dois trilhões de dólares mudam de mãos 10 a 20 vezes por dia e o volume total do comércio mundial num ano - que é fruto da economia real, concreta – é de seis trilhões ao ano. Assim, 297 dias de movimentação financeira é pura especulação e apenas três dias corresponde a realidade econômica do globo.
Há um divórcio absurdo entre ativos financeiros e ativos produtivos. A desconexão clara entre a economia financeira e a economia real, pode gerar uma crise de sérias proporções. Nos EUA, a variação das bolsas foi paralela ao desempenho da economia até 1980. Atualmente, o crescimento das bolsas é vertiginoso, sem nenhuma relação com a realidade econômica. As ações de empresas ligadas a Internet, valem mais do que as ações da Boing, uma empresa efetivamente produtiva, que gera bens de alta tecnologia e alto valor agregado. Há sinais precursores de um novo crack na bolsa dos EUA. O próprio presidente do Banco Central americano acredita que as ações destas empresas de mentirinha podem despencar de uma hora para outra, o que provocaria a destruição das políticas sociais de todos os países, como uma ogiva nuclear de assombrosa potência. A metáfora é verdadeira, pois no dia seguinte, economias, fortunas, padrões de vida, estariam todos destruídos.
A grande roleta gira sem parar, motivando a todos na busca de uma rentabilidade impossível, inimaginável, só visível dentro de um sistema movido pelo grande espetáculo, onde os atores estão vivendo a fantasia do paraíso capitalista. Os velhinhos americanos, japoneses, europeus, exigem através dos seus fundos de pensão, rentabilidades absurdas de 15% ao ano em economias que crescem 2%. Vive-se o momento, cada dia é dia de ganhar mais e mais. Não há limites para os especuladores.
A concentração de renda é cada vez mais cruel, sempre em benefício dos países do norte. O livre mercado sempre beneficiando os mais fortes. Os grandes blocos se impõem aos blocos mais fracos. Dentro dos blocos, há sempre os mais fortes, que impõem modelos eficientes de exploração. Procura-se plantar a ideologia da integração total, da abertura total, mas por ironia os países dominantes conseguiram seu poderio a custa de um protecionismo histórico.
O capitalismo se impõe em um espetáculo aterrorizante, que o mundo assiste embasbacado, como se nada pudesse detê-lo em sua inexorável marcha rumo à hegemonia total e irrestrita. Talvez fosse preciso que alguém suficientemente ingênuo – talvez uma criança – que apontasse para o palco e gritasse: “O rei está nu” – e o espetáculo ruiria como um castelo de cartas.
O MAGNIFICO ESPETÁCULO

Renato Ladeia, abril 1999

Bernard Cassen, especialista em economia do Le Monde, na Universidade de São Paulo em 1999 foi demolidora. Olhava-se para os lados para procurar saber se realmente estava se falando do nosso mundo maravilhoso e “globalizado”. Eram apenas dados que um jornalista meticuloso e bem informado conseguira reunir e que com certeza estão diariamente nos jornais de todo o mundo, mas poucos têm tempo ou paciência para relacioná-los e concluir verdades que a maioria não quer ouvir, ler ou falar.
Os números são astronômicos, pois se referem a um volume de capital circulante pelo mundo em torno de 21 trilhões de dólares. Só o Japão tem 14% deste bolo monstruoso e aterrorizador. Qualquer mudança no deslocamento de pequena parte deste valor, cuja grandeza é quase impossível ter-se uma idéia clara, pode provocar mudanças drásticas nas economias dos países, principalmente países do terceiro mundo. Os operadores e investidores são atraídos através do efeito rebanho. Ninguém quer sair na frente, mas quando alguém resolve ir, todos vão atrás cegamente. Um operador de sucesso é sempre seguido e ninguém quer ficar sozinho. “Errar junto é melhor do que acertar sozinho”.
Os capitais agem, circulam, decidem independentemente dos países onde estão localizados, não há racionalidade, ética ou valores. O que importa na essência é o retorno líquido do investimento. A especulação sobre as moedas é algo dramático, podendo quebrar um país de um momento para outro. Repito: de um momento para outro. Quase dois trilhões de dólares mudam de mãos 10 a 20 vezes por dia e o volume total do comércio mundial num ano - que é fruto da economia real, concreta – é de seis trilhões ao ano. Assim, 297 dias de movimentação financeira é pura especulação e apenas três dias corresponde a realidade econômica do globo.
Há um divórcio absurdo entre ativos financeiros e ativos produtivos. A desconexão clara entre a economia financeira e a economia real, pode gerar uma crise de sérias proporções. Nos EUA, a variação das bolsas foi paralela ao desempenho da economia até 1980. Atualmente, o crescimento das bolsas é vertiginoso, sem nenhuma relação com a realidade econômica. As ações de empresas ligadas a Internet, valem mais do que as ações da Boing, uma empresa efetivamente produtiva, que gera bens de alta tecnologia e alto valor agregado. Há sinais precursores de um novo crack na bolsa dos EUA. O próprio presidente do Banco Central americano acredita que as ações destas empresas de mentirinha podem despencar de uma hora para outra, o que provocaria a destruição das políticas sociais de todos os países, como uma ogiva nuclear de assombrosa potência. A metáfora é verdadeira, pois no dia seguinte, economias, fortunas, padrões de vida, estariam todos destruídos.
A grande roleta gira sem parar, motivando a todos na busca de uma rentabilidade impossível, inimaginável, só visível dentro de um sistema movido pelo grande espetáculo, onde os atores estão vivendo a fantasia do paraíso capitalista. Os velhinhos americanos, japoneses, europeus, exigem através dos seus fundos de pensão, rentabilidades absurdas de 15% ao ano em economias que crescem 2%. Vive-se o momento, cada dia é dia de ganhar mais e mais. Não há limites para os especuladores.
A concentração de renda é cada vez mais cruel, sempre em benefício dos países do norte. O livre mercado sempre beneficiando os mais fortes. Os grandes blocos se impõem aos blocos mais fracos. Dentro dos blocos, há sempre os mais fortes, que impõem modelos eficientes de exploração. Procura-se plantar a ideologia da integração total, da abertura total, mas por ironia os países dominantes conseguiram seu poderio a custa de um protecionismo histórico.
O capitalismo se impõe em um espetáculo aterrorizante, que o mundo assiste embasbacado, como se nada pudesse detê-lo em sua inexorável marcha rumo à hegemonia total e irrestrita. Talvez fosse preciso que alguém suficientemente ingênuo – talvez uma criança – que apontasse para o palco e gritasse: “O rei está nu” – e o espetáculo ruiria como um castelo de cartas.

GLOBALIZAÇÃO, ORIGENS, DINÂMICA E CRISE

GLOBALIZAÇÃO, ORIGENS, DINÂMICA E CRISE


ORIGENS

Embora os temas da unificação econômica do mundo e da emergência, nos marcos do capitalismo de uma “universal interdependência das nações”, já ocupassem lugar destacado nas reflexões da economia política clássica dos séculos 18 e 19 (De Adam Smith a Karl Marx), a reflexão específica sobre o tema da “globalização” é relativamente recente. Suas origens teóricas mais próximas remetem a desenvolvimentos variados ocorridos no mundo acadêmico anglo-saxão a partir dos anos 60, com destaque para as reflexões pioneiras do teórico da cultura Marshall McLuhan sobre a constituição de uma nova “aldeia global” pelos modernos sistemas de comunicação de massa, e também para as do sociólogo Daniel Bell sobre a convergência das diferentes formações sociais mundiais para uma única “sociedade pós-industrial”, baseada na informação. Em uma versão mais branca, podemos incluir, entre os precursores da reflexão teórica sobre a globalização, os autores da chamada escola inglesa de relações internacionais (Martin Wight e Hedley Bull).

A grande onda de reflexão específica sobre a globalização, no entanto, só ganhou corpo nos 80, a partir de uma farta literatura produzida por quadros da Harvard Business School dos EUA. Entre estes se destacam autores como Michael Porter e Kenich Ohmae. Com a ascensão global do projeto neoliberal ao longo da década e o colapso do campo socialista em 1989-1991, esta “onda” ganhou contornos de um autêntico maremoto. Como foi ocorrer com conceitos que se tornaram modismos intelectuais, isto alimentou o surgimento de inúmeras e variadas interpretações. As linhas mestras do discurso dominante sobre o tema, no entanto, não se afastaram muito dos marcos teóricos formulados originalmente pela literatura especializada na área de administração.

Com relação à origem da chamada globalização econômica, é importante destacar, ao contrário do discurso dominante que a coloca como novidade, é que esse processo acompanha o capitalismo desde o seu desenvolvimento nas formas comerciais, manufatureiras e bancárias nas cidades do norte da Itália no século 15. Foi precisamente a transformação do capital “natural” (imóvel, territorializado) em capital “abstrato” na forma de dinheiro (móvel e sem território específico), que impulsionou a expansão comercial da Europa, resultando nos descobrimentos e no lançamento das bases materiais do mercado mundial. Essa expansão, por sua vez, viabilizou o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo europeu, que completou a unificação econômica e política do mundo em torno de si já no século l9.


DINÂMICA DA GLOBALIZAÇÃO


Um dos fatores principais da dinâmica da globalização, é o constante fluxo de capitais entre os países centrais e os países periféricos (economicamente dependentes), com os segundos exportando produtos primários e outros de baixo valor agregado ou complementares e os primeiros exportando produtos de alto valor agregado (produtos de alta tecnologia). Esse fluxo, favorável aos países centrais que controlam os capitais financeiros e detém o monopólio da tecnologia de ponta, mantém uma constante hegemonia (domínio) desses Estados Nacionais sobre os demais. Esse domínio é assegurado pela crescente acumulação de lucro dos países centrais ou a chamada tríade (EUA, Europa e Japão) através do pagamento de royalties, remessa de lucros, importação de componentes das matrizes etc.

Esse processo é mantido através do exercício do monopólio de tecnologia pelos países centrais. Essas tecnologias variam de acordo com o desenvolvimento do sistema produtivo e de novas tecnologias. Um exemplo é a indústria têxtil que até o início do século 20 era controlada por países como a Inglaterra e atualmente é uma indústria considerada de baixo valor agregado.

Wallerstein considera que o sistema global ou sistema mundo está ancorado sob uma hierarquia entre os vários sistemas nacionais, proporcionando um sistema de controle e dominação dos países desenvolvidos sobre os demais (em relativo desenvolvimento e subdesenvolvidos). De acordo com o autor, não existe a possibilidade de um nivelamento do padrão de vida dos países do primeiro mundo com os demais, mesmo considerando o processo de globalização crescente das economias. A necessidade de acumulação constante e crescente do capitalismo inviabiliza qualquer possibilidade de nivelamento, pois essa dinâmica é essencial para a sobrevivência do próprio sistema.

Desde a década de 1990, observou-se um crescente avanço das empresas multinacionais nos países periféricos, estabelecendo-se em vários setores das economias desses países. O crescimento com base em dados de 1999, representou um avanço de 146% das empresas transnacionais nos países mais pobres. O crescimento dessas empresas nos países do chamado terceiro mundo ocorreu, na maioria das vezes, via substituição de empresas nacionais através de aquisições, fusões e joint-ventures. Portanto, foram poucos investimentos diretos (ID) que representariam a colocação de capitais de risco nos países subdesenvolvidos, e o mais grave, é que muitos investidores internacionais utilizam poupança desses países para ampliarem seus investimentos, como é o caso dos financiamentos do BNDES para financiamento de empresas transnacionais no Brasil.

Outro dado importante nesse processo de internacionalização das economias da maioria dos países pobres é que os investimentos anteriormente citados, não geraram o crescimento das exportações, ampliando o nível de dependência econômica em relação às potências capitalistas centrais. Teoricamente, a globalização acena com a possibilidade de crescimento das exportações de produtos de maior valor agregado pelos países mais pobres para fazer frente à crescente demanda por moedas “fortes” como o dólar para pagar seus compromissos internacionais. Também é sabido que os produtos primários vem de forma crescente, perdendo valor no mercado internacional, exigindo em contrapartida, o aumento constante do volume de exportações desses produtos.

Na maioria dos países há um elevado nível de regulamentação com relação a algumas atividades econômicas, dificultando o acesso às empresas transnacionais. Entretanto, há uma forte pressão das potências capitalistas centrais no sentido de demover as fronteiras e regulamentações para facilitar a entrada dessas empresas aos mercados de serviços. O avanço nesse segmento saltou de 9,4% em 91 para 26,1% em 99, indicando uma abertura dos países subdesenvolvidos para o capital internacional. Esse dado não seria tão preocupante se o fluxo de capitais fosse constante e crescente para os países periféricos. Entretanto, ai se coloca uma das grandes fragilidades do sistema, pois a ampliação do controle desse setor por parte do capital internacional cria uma camisa de força gerando a dependência crescente por novos recursos para o pagamento dos lucros e royalties gerados pelos investimentos internacionais.


FATORES DE CRISE


O sistema de acumulação crescente de capital financeiro gera a necessidade de uma rotação constante dos capitais em busca de novas alternativas via custos mais baixos de mão de obra, fontes de matérias-primas baratas e baixo nível de regulamentação das economias e isenção de impostos. Assim, as empresas transnacionais circulam seus capitais por todo o globo em busca de novas vantagens competitivas para enfrentar a concorrência cada vez mais predatória. Sistemas produtivos são deslocados do Brasil para o México, do México para a Tailândia e assim sucessivamente, visando à manutenção dos níveis de crescimento da lucratividade.

Entretanto, esse modelo apresenta sinais de esgotamento, pois o trabalhismo vem também avançando em todo o globo, pois o sistema de comunicação e o relacionamento global dos sindicatos e organizações voltadas para a proteção do trabalho levam reivindicações por melhores salários e condições de trabalho mais adequadas em toda a extensão do globo. Talvez em futuro próximo, países como a China cujo salário médio de acordo com dados do Banco Mundial está em torno de 30 dólares mensais e com um baixíssimo nível de benefícios sociais, os trabalhadores se organizem e compliquem a vida dos investidores, obrigando-os a partir em retirada em busca de novas alternativas.

Além do trabalhismo que pode reduzir vantagens competitivas atuais em muitos países periféricos como China, México e Tailândia, outro problema se avizinha: o esgotamento do êxodo rural como fonte de força de trabalho barata. O século 20 foi palco de um dos maiores movimentos da população do campo para as cidades, invertendo uma distribuição demográfica mantida por décadas. Em meados de 1950 a população brasileira na zona rural representava algo em torno de 70% da população total. Atualmente se observa uma inversão dessa distribuição populacional.

O deslocamento de fábricas para várias partes do globo, as fusões, jointventures e as aquisições internacionais torna necessário também o deslocamento de profissionais especializados e executivos que representam custos significativos num contexto de alta competição.

Além da força de trabalho, o custo dos recursos naturais também se apresenta como uma ameaça em cenários estratégicos, pois vêm sendo ampliadas as pressões de ambientalistas, ONGS e governos para que as empresas internalizem os custos da exaustão dos recursos naturais não renováveis ou renováveis em longo prazo. Além dos recursos, a questão da degradação ambiental se constitui também um sério problema para a competitividade.