Por Renato Ladeia
RESUMO:
O processo de globalização econômica, acelerado a partir do final do século XX, resultou em profundas mudanças sociais, políticas e culturais, decorrentes, principalmente, dos deslocamentos dos capitais em busca de vantagens competitivas e novos mercados. Essa mundialização da economia de mercado, incorporando novas regiões, outros povos e culturas gerou uma nova configuração social, política e econômica com o surgimento de outras identidades, novas reivindicações e conseqüentemente novos conflitos. Neste contexto multicultural torna-se necessário um ajustamento ideológico para a manutenção dos níveis crescentes de acumulação. Assim as políticas de diversidade humana nas organizações vem cumprir esse papel, ajustando as organizações para se adequarem a um ambiente global e sem fronteiras.
Palavras-chave: globalização, mercado de trabalho, diversidade.
ABSTRACT
The globalization economic process, developed on the finish of the XX century, result in the deeply social, politics e cultural changes, derived from the transferring of the capitals searching for competitive advantages and news markets. This globalization of the marketing economy, absorbing news countries, others populations and cultures, created new social, political and economics structures and consequently news ethnics conflicts. In this multicultural context, began necessary an ideological adjustment for maintenance of capital accumulation. Thus the diversity human politics in the organizations is important to adequate to global and without border environment.
Key-words: globalization, work’s market and diversity.
Renato Ladeia de Oliveira
Prof. Dr. Depto. Administração do Centro Universitário da FEI
e.mail: rladeia@uol.com.br
Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar o vínculo existente entre o processo de globalização e o interesse crescente pela diversidade no Brasil e no mundo. A ampliação dos movimentos de identidade étnica e o afloramento do racismo em termos globais são também questões relevantes, pois podem influenciar movimentos de identidade de minorias raciais. Não é possível afirmar que os movimentos de etnicidade e o racismo sejam frutos da globalização, mas que essa nova dinâmica do capitalismo global pode, como é possível identificar exemplos através do cotidiano dos meios de comunicação, acirrar os conflitos étnicos, bem como manifestações de rejeição ao diferente. Os fatos recentes ocorridos na França, onde populações de origem africana desencadearam violentos protestos contra a discriminação não podem ser ignorados.
As razões podem ser decorrentes do simples fato de as comunidades, etnicamente diferentes, estarem em outros países que não os seus. Eles podem incomodar por se vestirem de forma diversa, pela cor da pele, pelos costumes e até pela forma como se relacionam, falam, amam, oram, comem etc. A outra razão está relacionada à possibilidade de que ocupem os seus empregos, dos seus familiares dos seus amigos ou dos semelhantes. Os semelhantes são sempre como nós mesmos e não como os outros. Finalmente, eles podem incomodar pelo fato de as pessoas se sentirem ameaçadas pelas ondas de criminalidade. Eles serão sempre culpados de todas as mazelas sociais (KOLTAI, 2000).
2. A Globalikzação e a etnicidade
A globalização introduz elementos novos no cenário social, político, econômico e cultural com a maior interação de indivíduos dos mais diversos povos e nações do planeta e por isso tem gerado impacto nos meios de comunicação, nas relações de trabalho, nas relações sociais e na política. A mudança do perfil demográfico dos países centrais demandou a importação de trabalhadores e eles não vêm sozinhos, mas acompanhados de seus costumes, crenças, religiosidade, música, alimentação, enfim, toda a bagagem cultural acumulada, que entra em choque com outros costumes e padrões dos países receptores. Provavelmente nenhuma nação do globo escapará dessa interação dinâmica com novos povos e isso implicará reconstruções de padrões de vida, do modo de olhar o outro, enfim da própria existência. Mesmo países como o Brasil, que, sob a influência da ideologia da democracia racial, mantém padrões de convivência aparentemente pacíficos entre brancos, afro-descendentes e indígenas, podem sofrer o impacto de movimentos sociais que reivindicam não somente a identidade, mas também direitos e espaço público. Esses atores, os afro-descendentes e indígenas, até hoje atuando nos bastidores, poderão estar presentes na nossa contemporaneidade, papéis mais relevantes e, se possível, como protagonistas de uma sociedade em crise de identidade. A discussão sobre as identidades é fecunda e simplesmente pelo fato de estarem presentes entre nós significa que não estão mortas e “mesmo que morem nos subterrâneos, tomam fôlego, se recriam, são ressignificadas e vivem na modernidade” (BERNARDO, 2004).
A questão da globalização ganha vários contornos, atingindo amplitudes nos debates nas ciências sociais em geral, mas é no plano econômico que apresenta o seu significado mais contundente, gerando impactos em todas as formas de organização social. A globalização, como afirmam seus críticos (BOURDIEU,1998; WALLERSTEIN, 2000; BREULLY, 2000; e outros), engendrou não apenas uma nova ordem econômica sob a égide do neoliberalismo, mas novas ideologias, como a mundialização da cultura, novas formas de organização do trabalho, a diversidade organizacional, a linguagem global, dentre outras. Entretanto, as novas formas de atuação do capitalismo global se apresentam como algozes de profunda desarticulação das unidades nacionais e, ao invés de propiciar nova configuração da sociedade humana, baseada na solidariedade, na aceitação das diferenças e no direito ao espaço público, aprofundou as desigualdades sociais e a intolerância. Como resultado temos visto a ampliação dos movimentos de identidade étnica ou etnicidade, na esteira da crise sistêmica do capitalismo global.
Entretanto, as resistências ao processo de mundialização econômica são sinais claros de seu esgotamento. Nesse imbróglio, ao lado de alguns aspectos da homogeneização, o que se observa é a fragmentação, com o fortalecimento ou mesmo o ressurgimento de movimentos étnicos, do racismo e da intolerância com o Outro. A própria versão da globalização, como uma teoria acadêmica, vem encontrando fortes resistências, abrindo-se perspectivas para o surgimento de teorias alternativas a esse modelo. A globalização se apresenta como uma construção ideológica do sistema capitalista, formulado com base na realidade que visa fundamentalmente ocultar as contradições dessa mesma realidade. A idéia, propagada pelos arautos da globalização, de homogeneização do padrão de vida existente nos países centrais ou hegemônicos para os países periféricos é uma utopia, pois sempre haverá uma hierarquia nesse sistema, o que é fundamental para a sua existência como tal (WALLERSTEIN, 2000).
Mesmo ideólogos do neoliberalismo, após a breve euforia universalizante que se seguiu ao colapso do “socialismo soviético”, já admitem que nesta “nova ordem mundial” que tanto edulcoraram não haverá lugar para todos - seres humanos e países (ALMEIDA, 1997:177). Dessa perspectiva pouco otimista sobre o futuro do capitalismo globalizado, com a falta de espaço para todos, a possibilidade de ampliação das desigualdades, da segregação e do racismo parece ser inevitável.
Assim, esse sistema tem acirrado as desigualdades e ampliado os níveis de pobreza, com o desencadeamento de crises regionais e fomentação dos movimentos de identidade étnica e do racismo através da fragmentação de estruturas sociais, reduzindo a capacidade de intervenção dos Estados Nacionais para o estabelecimento de um equilíbrio estável.
2. Do Global para o local
A globalização engendrada pelo capitalismo contemporâneo se impôs de forma quase hegemônica em todos os cantões do globo. Esse triunfo, aparentemente irreversível, com sua nova dinâmica, incorporando formas mais eficientes de organização produtiva, não determinou o esgotamento das culturas locais, que, num processo sincrético, incorporaram essa racionalidade às suas características. Como afirma Ianni:
Sem prejuízo das peculiaridades sócio-culturais de cada povo, praticamente todas as tribos, nações e nacionalidades do mundo foram alcançadas, envolvidas, impregnadas, transformadas ou recriadas pelas relações, processos e estruturas de organização da produção e da vida social mais característicos do capitalismo (1995:117).
Entretanto, a nova dinâmica do capital, quer seja denominada globalização, mundialização, capitalismo global etc, não pode prescindir de outros atributos simbólicos para se impregnar na vida social, cultural e afetiva dos povos, gerando a reboque outras construções ideológicas alinhadas ao objetivo primordial. O aspecto ideológico é que vai dar sustentação ao processo de cooptação de todos os Estados Nacionais, todas as cidades, aldeias e até nações indígenas, cujos primeiros contatos foram realizados muito recentemente. A cooptação de nações indígenas que foram integradas ao sistema, através da negociação de pagamentos para a exploração de seus territórios, pressupondo a possibilidade de aquisição de bens de consumo, armas, munições e produtos eletrônicos, é exemplo da evidência da abrangência da expansão do capital.
O capitalismo global não é uma novidade enquanto objetivo de estabelecer sua hegemonia em nível planetário, mas pode ser novidade na utilização de processos de desconstrução de tradicionais formas de proteção de economias nacionais através de barreiras alfandegárias, taxação e protecionismo, impondo a ideologia de que se trata de uma novidade positiva e inexorável e quem dela não participar estará condenado à pobreza e ao subdesenvolvimento. Dentre as construções subjacentes temos a cultura global, música global, alimentação global (macdonização do mundo), a roupa global etc. Entretanto, essa apregoada homogeneização do globo, com o fim das culturas não eurocêntricas, não se realizou no plano real e tampouco no plano simbólico. Como afirma (WARNIER, 2003, p. 151), “... o verdadeiro problema ao qual as sociedades contemporâneas confrontam-se é a fragmentação e dispersão das referências culturais mais do que de homogeneização das diferenças “.
O capitalismo industrial, na fase voltada para a produção em grande escala, utilizando a especialização extrema do trabalho para introduzir rapidamente grandes hordas de trabalhadores que abandonavam o campo em direção às cidades – a saída possível, considerando o estágio tecnológico da época, para atender a grande demanda consumista – produzia em grande escala e de forma padronizada. A famosa frase de Henri Ford que dizia que qualquer um poderá comprar um carro, desde que seja um Ford T preto, é reflexo desse contexto. Na medida em que a competição se torna mais acirrada, a indústria se volta para produtos personalizados para cada nicho de mercado, restabelecendo-se a individualidade do consumidor. Seria errôneo afirmar que foi a globalização que impôs a produção segmentada, com produtos diferenciados, resultando em novas formas de organização produtiva, mas a própria dinâmica do modo de produção capitalista, ancorada pelo individualismo latente das sociedades ocidentais. Na realidade, a humanidade, hoje, como no passado, continua a ser uma máquina de fabricar diferenças, clivagens, particularidades, distinção de clãs, formas de falar, residências, classes, países, frações políticas, regiões, ideologias, religiões. Essas clivagens perpetuam culturas existentes transmitidas pelas tradições localizadas, socializadas, verbalizadas, identificadoras e que preenchem a função de bússolas individuais e coletivas (WARNIER, 2003: 166).
Evidentemente, o mercado globaliza os fluxos de objetos e de condutas. Mas, no mesmo movimento, ele abastece as sociedades de bens infinitamente diversificados, que servem para fabricar a diferença e a identidade (WARNIER, 2003: 166). Nesse sentido, a globalização, ou capitalismo global, atua no sentido de proporcionar o acesso aos produtos diferenciados, desejados por todos. Da mesma forma que os colonizadores faziam com os indígenas, oferecendo miçangas, espelhos, pentes e outros adereços para obter cooperação para explorar madeiras, ouro e pedras preciosas, isso, também está ocorrendo agora. Na contemporaneidade, o comércio global oferece outras possibilidades, repletas de novidades tecnológicas como relógios, jogos eletrônicos etc, mas em troca de dinheiro.
O capitalismo global, em sua nova dinâmica, cria, assim, novas configurações, desarticulando tradicionais sistemas produtivos e incorporando novas formas e tecnologias de gestão, ocupando novos espaços. O enfraquecimento das fronteiras (entre sociedades e categorias sociais), reproduz no interior das sociedades, desigualdades e discrepâncias antes associadas às diferenças coloniais, homogeneização e fragmentação simultâneas nas sociedades e, além delas, interpenetração do global e do local e desorganização de um mundo concebido em termos de três mundos (desenvolvidos, socialistas e subdesenvolvidos ou em desenvolvimento) ou de Estados Nacionais (DIRLIK, 1997: 27).
Para Dirlik (1997:27) há o reconhecimento de que as organizações do capitalismo global dispõem agora de poder para apropriar o local para o global, para admitir culturas diferentes na esfera do capital, ajustando-as para atender as exigências da produção e consumo. A tendência dessas organizações de se adaptarem às diferenças, implementando políticas de diversidade racial e étnica em todas as suas filiais é um exemplo disso, tentando, dessa forma, neutralizar os conflitos. Ao mesmo tempo em que a globalização desarticula, fragmenta, ela também cria novas possibilidades de identidades locais, como um processo de resistência à padronização planetária. Pode-se dizer que o local e o global estão distantes e próximos, diversos e iguais; as identidades embaralham-se, multiplicam-se; as articulações e as velocidades desterritorializam-se e reterritorializam-se em outros espaços, com outros significados (IANNI, 1998).
Essa nova proximidade, ao mesmo tempo em que distancia, gera uma imprecisão de sentidos, de percepções, de identidades, podendo criar um leque maior de desintegração e integração. Ao mesmo tempo em que há uma tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da “alteridade”. A mercantilização global envolve não somente mercadorias, mas também crenças, valores, diferenças e identidades. Assim, o global não substitui o local, mas provoca nova articulação entre essas duas categorias, podendo construir novas identificações globais e novas identificações locais (HALL, 2004).
Enfim, a internacionalização do capital em sua fase mais dinâmica afeta a todos nós, pois as decisões tomadas nos órgãos internacionais, como FMI, OMC, G7 e outras instâncias, além das que ocorrem nas grandes corporações multinacionais e transnacionais, têm impactos no cotidiano das mais recônditas aldeias do globo (ALMEIDA, 1997), não importando se estão ou não cooptadas no sentido mais amplo do seu arcabouço ideológico.
A conexão entre o local e o global não depende mais das formas tradicionais e reais de comunicação, pois entra em cena a forma virtual em que o local é o global e vice-versa.
3. Conflitos sociais e étnicos
Essas novas identificações globais e locais, num contexto econômico e social que amplia a desigualdade e a segregação, são portas abertas para a ampliação dos conflitos étnicos e raciais, pois, apesar de manter alguns aspectos da dominação global ocidental, as identidades culturais estão presentes em toda parte (HALL, 2004). A tentativa de padronização e homogeneização encontra cada vez mais resistências, pois diante da impossibilidade da inclusão e da igualdade, as reações sociopolíticas negativas estão cada vez mais presentes, mostrando o ressurgimento de intolerâncias e choques culturais (IRACHETA, 2005). Os movimentos sociais e étnicos que buscam resgatar a sua identidade, vêm ganhando força, com participação cada vez maior dessas populações que desejam desenvolver o seu papel histórico na sociedade. Como a igualdade continua distante, é possível que tenhamos confrontos, pois as populações marginalizadas não são minorias, mas parte significativa da população mundial. O olhar dos excluídos não é o mesmo de um passado ainda recente. É um olhar influenciado pelos movimentos globais, pelo acesso diário às informações. As barreiras para o acesso aos empregos ou à mobilidade, bem como a discriminação dentro das organizações, começam a ser percebidas de forma mais nítida e podem ser a porta de entrada para a eclosão de conflitos sociais mais graves.
Em relação ao mercado de trabalho, nessa nova realidade, observa-se forte tendência para o favorecimento do trabalhador mais qualificado, em detrimento do trabalhador de baixa qualificação ou semiqualificado nos países periféricos, pois os processos de flexibilização e multifuncionalização da força-de-trabalho, improdutiva ou produtiva, exigem trabalhadores facilmente adaptáveis a essa nova dinâmica . Entretanto, mesmo o trabalhador mais qualificado acaba ficando à margem do mercado de trabalho, pois o processo de “exportação” de empregos para outros países, em decorrência da busca constante de vantagens competitivas tem crescido de forma assustadora. Outro aspecto relevante nesse processo é a tendência à exclusão ampliada de populações marginalizadas, pois nos momentos em que ocorre uma forte queda na oferta de empregos, a discriminação dos desiguais tende a se ampliar.
Num ambiente com elevado nível de desemprego, é bem provável que os trabalhadores que pertencem às minorias étnicas ou discriminadas, como os negros e indígenas pagarão a maior parte da fatura no processo de expansão do capitalismo global, que gera crescimento em uma ponta e desemprego e desigualdades ampliadas em outra, tanto nos países periféricos como nos desenvolvidos . Os países que recebem esses novos empregos, retirando trabalhadores que viviam à margem do mercado de trabalho, podem contar vantagem por pouco tempo, pois nada garante a permanência indefinida dos capitais que, ávidos por ampliações contínuas das margens de acumulação, buscarão novos campos de pouso, principalmente aqueles que, iludidos pelo canto da sereia, abrem suas guardas para receber um novo cavalo de Tróia.
Para o Banco Mundial (1995), os fluxos de capitais geram percepções pessimistas dos dois lados. Para os países ricos, a possibilidade de aliança entre capital e trabalho barato nos países periféricos podem provocar uma queda dos salários e padrão de vida em seus países. Por seu turno, nos países pobres, há o receio da exploração no sentido de que os capitais somente viriam quando os salários estivessem baixos e se retirariam quando aumentassem. De qualquer forma, na combinação cruel entre salários baixos e escassa oferta de empregos, a corda deve arrebentar no lado mais frágil, que é o da população negra e mestiça, no caso brasileiro. Como os dados estatísticos vêm comprovando, a renda média da população afro-descendente é mais de duas vezes menor do que a da população branca .
Um processo fundamental, associado à globalização, tem sido a aceleração da urbanização e da mobilidade física de pessoas em todo o mundo, desde a segunda metade do século passado, criando novos cenários para uma maior pluralidade étnica e cultural das cidades. Esses cenários são conseqüência das desigualdades geradas pela economia mundial e de algumas conseqüências como a aceleração das migrações dos países do hemisfério sul para o norte, com destino às principais metrópoles. (IRACHETA, 2005). Tais movimentos ocorrem também no nível interno dos Estados Nacionais, principalmente em países como o Brasil, Índia e China, de grande extensão territorial, em que se observa movimentação crescente em direção às grandes metrópoles, ampliando a concentração da pobreza nesses locais pela incapacidade que o setor público tem em atender as demandas de moradias, saúde, segurança, educação e empregos. Essas movimentações populacionais ampliam a rejeição ao Outro, que aparece também como um perigo para a estabilidade das comunidades que se vêem ameaçadas pelos diferentes. Em alguns casos, mesmo aquele que é da mesma origem ou da mesma etnia pode ser visto como uma ameaça, pois, para aqueles que chegaram primeiro e superaram as dificuldades de assimilação, ele pode representar uma ameaça à estabilidade obtida.
A presença em massa de estrangeiros nos países centrais revela suas contradições enquanto força de trabalho necessária para as necessidades do sistema produtivo. De um lado o mercado necessita de mão-de-obra, preferencialmente barata, para atender às demandas da indústria e serviços, situação decorrente das baixas taxas de natalidade desses países, que não conseguem manter os níveis de reposição demográfica. De outro, há resistência constante desses países em estender a todos os migrantes a cidadania, na forma de direitos sociais. Essa população que participa do sistema econômico, gerando riqueza e acumulação, não aceita permanecer à margem, segregada, em uma sociedade opulenta. Assim, passa a resistir, expondo suas identidades diante da impossibilidade de serem integradas e incluídas ou apelando para a violência social, como o exemplo da revolta dos jovens franceses descendentes de imigrantes árabes e africanos.
Enfim é preciso ter em mente que todos vivemos em sociedades multiétnicas, que se distanciam mais e mais da idéia que se fazia dos Estados Nacionais, baseados em populações mais ou menos homogêneas em termos étnicos.
Corroborando essa afirmação, dados do Banco Mundial (1995) estimavam que cerca de 125 milhões de pessoas viviam fora de seus países de origem, procedendo cada vez mais de países pobres em direção aos países mais ricos. Esse número é sempre crescente e gera a perspectiva de que os conflitos étnicos podem ser multiplicados ao longo dos anos.
Anderson (2000) considera que a chegada dessas populações, representa enorme desafio para os Estados Nacionais, pois pode representar uma ameaça à auto-imagem das populações tradicionais. Os estrangeiros são normalmente diferentes, com variadas cores de pele, diversas línguas, hábitos, comportamentos, muitas vezes bastante diferentes dos padrões conhecidos pelas populações locais. Em alguns casos, para evitar problemas de rejeição, tenta-se restringir a entrada de imigrantes aos descendentes que imigraram para outros países, como foi o caso do Japão. Entretanto, os imigrantes brasileiros de origem japonesa que ingressaram no país como “decasséguis”, apesar da aparência, são culturalmente brasileiros, muito diferentes dos padrões locais, o que não evitou a discriminação e as dificuldades de integração. “Se no Brasil são pensados como japoneses, no Japão não passarão de gaijin” (WOORTMANN,1995).
Outra questão que deve ser colocada ante a discussão sobre etnicidade, conflitos étnicos, discriminação etc. é a cidadania. Vieira (2001) lembra que nas sociedades multiculturais a cidadania é uma dimensão política diferente da base étnico-cultural dos Estados Nacionais. O Estado é o lugar de todos os cidadãos, mas a pessoa humana é mais do que apenas um cidadão nacional: é judeu, católico, mulher, negro etc. Como afirma Arendt (2001) a existência de um mundo comum, compartilhado, onde se expressam as divergências, é uma construção, um artefato humano que depende dessa forma específica de sociabilidade que só o espaço público pode instituir (ARENDT, 2001). O mundo comum é regido pela pluralidade humana, da qual depende a existência da própria realidade. A preservação da identidade grupal, religiosa ou cultural, pode ser também um grande desafio para as ciências sociais e para os Estados Nacionais no futuro, pois a identidade não pode prescindir da cidadania que implica, fundamentalmente, o reconhecimento e a aceitação das diferenças, convivendo-se com elas e aceitando-se os conflitos inerentes. Se a preservação da identidade religiosa, cultural, racial e de gênero acarretar a exclusão ou a discriminação do outro, estarão lançadas as bases para o recrudescimento dos conflitos.
As organizações em nível global, da perspectiva da racionalidade inerente aos seus objetivos de acumulação e crescimento do capital, buscam adaptar-se rapidamente a essa nova realidade, assumindo o controle da situação. No passado os agentes do multiculturalismo poderiam ter sido radicais marxistas ou feministas, mas atualmente a iniciativa passou para as mãos de administradores bastante conscientes das necessidades de recursos humanos adequados para a nova situação econômica (DIRLIK, 1997).
Para manterem-se competitivas no mercado mundial, as corporações foram buscar formas adequadas de entrada em novos mercados, adaptando-se aos padrões culturais de cada unidade nacional capitalista. Para tanto, os estudos de mercado não abrangem apenas os aspectos econômicos, como PIB, renda, população, estrutura competitiva, mas também estudos sobre a cultura local, envolvendo sistemas de crenças, valores, hábitos alimentares, religiosidade, costumes, festividades etc. No meio acadêmico voltado para a gestão de negócios, um tema emergente é a diversidade humana nas organizações, que visa a adaptação das empresas às condições locais, para que ajam preventivamente e evitem conflitos com costumes e tradições de onde as corporações são instaladas. Dessa forma, “... a compreensão da cultura da sociedade pode contribuir para esclarecer o comportamento e as práticas gerenciais locais” (RODRIGUES E DUARTE, 1999:44). Assim, as políticas afirmativas adotadas pelas corporações podem ser definidas como construções ideológicas para camuflar os objetivos estratégicos para maximizar a acumulação em âmbito global. Dentro da lógica da racionalidade do capital, a contratação e o treinamento dos funcionários que atuam como expatriados deve levar em consideração o incentivo para que abandonem posturas etnocêntricas, não somente com base em um treinamento, mas também no processo seletivo que tem como base a sensibilidade dos executivos para com os diferentes grupos componentes de sua própria cultura (RODRIGUES E DUARTE, 1999).
Pode-se afirmar que “na era da globalização, duas forças aparentemente conflitantes estão presentes no trabalho – a visão e pensamento global versus perspectiva local e integração global versus diferenciação local” (KILIMNIK, 1999). Portanto, a cultura, no seu sentido antropológico, reveste-se de substancial importância para as estratégias organizacionais, envolvendo desde o investimento até a definição do mix de marketing, pois permite identificar a influência que valores e crenças locais exercem na determinação do comportamento do consumidor (REZENDE, 1999).
Conclusão
A globalização ou mundialização do capitalismo se apresenta no contexto das relações sociais, políticas e econômicas um quadro de perplexidades sobre o futuro das relações entre Estados Nacionais entre etnias, sociedades, raças, culturas, corporações, gerando novas possibilidades entre o global e o local.
Esse é um tema que vem chamando a atenção de teóricos organizacionais pela sua importância em razão do processo de mundialização das economias e, por conseqüência, das empresas, engendrando ampla circulação de pessoas e organizações por todo o planeta.
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