segunda-feira, 16 de junho de 2008

RESENHA

RAÍZES DO BRASIL
Renato Ladeia

As mazelas do Brasil vêm sendo analisadas por vários intelectuais brasileiros e alguns estrangeiros que procuram explicar as causas crônicas do subdesenvolvimento econômico, político e social. Por que um país rico em recursos naturais, sem problemas de unidade nacional, já que não temos movimentos separatistas, conflitos religiosos ou raciais, não consegue decolar economicamente e resolver seus graves problemas sociais, principalmente a desigualdade regional? O Brasil é realmente um país bastante complexo. O processo de independência política em relação à metrópole portuguesa se deu a partir de conchavos entre as elites dirigentes e um príncipe regente aqui deixado com propósitos sub-reptícios. A unidade nacional foi mantida, segundo alguns historiadores, graças ao sistema escravocrata, que permitia a sustentação do sistema econômico voltado para a monocultura do açúcar baseado no trabalho escravo.
Há consenso de que a fragmentação do território colocaria em risco esse sistema e mesmo com os movimentos revolucionários ocorridos no nordeste e no extremo sul durante o século XIX, a aristocracia rural sempre procurou se manter coesa em defesa os seus interesses econômicos e políticos. A proclamação da República, longe de ter sido um movimento revolucionário, foi também um processo de acomodação em decorrência do desgaste do sistema monárquico, principalmente em função da abolição do sistema escravista sem uma compensação econômica aos proprietários rurais e do processo sucessório do imperador.
As elites brasileiras do século XIX tinham sólidas raízes ibéricas e é a partir dessa base cultural que Sergio Buarque de Hollanda finca as estacas de sua análise, apoiando-se nas teorias da Antropologia Cultural norte-americana. Nesta análise, o autor procura explicar através do espírito lusitano, formado pela busca incessante de aventuras e com dificuldades em se estabelecer através do trabalho sedentário, a ausência de vínculo entre essas elites e a nova nação que se formava. A tipologia do “homem cordial” formulada pelo autor tem sido ao longo dos 70 anos da publicação de Raízes do Brasil, pouco compreendida. Essa cordialidade é descrita como a aversão do homem brasileiro às relações formais, característica do sistema burocrático racional. É uma cordialidade que se instala através das relações de compadrio, em que preponderam os interesses de caráter particularista em detrimento dos interesses públicos. Portanto, enganam-se aqueles que entendem essa cordialidade como uma virtude. Ao contrário, ela explica o desprezo atávico pela racionalidade, pela separação entre o que é público e que é privado, pela justiça imparcial, enfim, pela democracia em seu sentido mais amplo. Aliás, Hollanda afirma que a democracia no Brasil foi um “lamentável mal entendido”, pois a idéia de uma democracia liberal nunca foi bem digerida pelas elites pois o Estado sempre foi visto como uma extensão do privado, das relações do tipo primário em que a família, os agregados e amigos vem em primeiro plano. Frases como “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”, ainda presentes em nosso cotidiano político, é o reflexo da incompreensão do sentido da rés-pública.
A análise fundada nos tipos ideais de Max Weber pode suscitar críticas pelo rigor metodológico, mas é inegável a sua contribuição para se compreender o Brasil e os brasileiros, principalmente as suas elites. A erudição do autor, um devorador de livros segundo depoimentos de seus antigos companheiros, apresenta algumas dificuldades para o leitor pouco familiarizado com uma linguagem acadêmica, principalmente por citações não traduzidas. Raízes do Brasil, com uma edição moderna e bem cuidada pelos editores, volta às livrarias, desta vez com excelentes comentários de intelectuais do calibre de Antonio Cândido, Evaldo Cabral de Mello, Bolívar Lamounier entre outros. É um livro atual e necessário para se entender o Brasil, pois ainda sobrevive entre nós a dificuldade de romper com os particularismos sociais e políticos, condições essenciais para atingirmos a maturidade como Estado moderno.

Raízes do Brasil, Edição comemorativa de 70 anos. Sergio Buarque de Hollanda. Org. de Ricardo Benzaquen de Araújo e Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo, Cia. Das Letras, 447 p

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